domingo, 6 de fevereiro de 2011

Marco

A última noite do ano encerra as nossas maiores expectativas. Haveremos ainda de jogar muitas flores no mar, pular 7 ondas, comer lentilha e brindar com champanha para celebrar esse acontecimento tão importante. Nada se guarda para a primeira noite do ano, porém. Porque não se confia que ela sim pode criar as maiores expectativas? A minha primeira noite de 2011 foi um marco por assim dizer- salve-se o trocadilho. Tinha o sorriso largo e seguro, o rosto mais que básico e a sustentação firme no olhar. Não me aventuro por nada. Aquele olhar queria dizer alguma coisa e como, para mim, tudo é naturalmente difícil, ele mora em outra cidade. Não basta? Tem quase 20, quase 1,80, quase a minha experiência. Mas nada disso é problema. Sou um cara disposto, e daí?! Me ofereço e me entrego. Não me nego, não me nego, não me nego... Ele é quase perfeito. Só lhe falta me querer por perto.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Força policial

São tantas coisas para falar e, ao mesmo tempo, faltam palavras... O Profissão Repórter desta terça-feira (30/11/2010) revolta. Sobretudo após as notícias recentes sobre a verdadeira guerra que se estabeleceu esta semana em favelas da Zona Norte do Rio.
Centenas de famílias, mil e duzentos sem teto viviam desde o dia 4 de outubro num prédio ocupado na Avenida Ipiranga- São Paulo. Entre jovens, adultos, idosos e crianças, incluindo-se aí Jéssica, de apenas 4 dias. Três blocos do programa apresentaram a massacrante rotina desses desabrigados que ali se estabeleceram. A procura do difícil emprego que não se concretizava por falta de um comprovante de residência, o trabalho na cozinha que preparava 400 refeições para almoço e 1200 para janta, o trajeto até a escola em que as mães se revezavam para levar todas as crianças, os pedidos de alimentos de porta em porta. Pessoas simples, que sorriam para a câmera não sei de quê, contavam mazelas sem lágrimas e mostravam sua luta por dignidade. Cumprindo aviso prévio, às 5h30min da manhã, 200 homens da polícia isolaram a entrada do prédio e, sob salvas de apito, acordaram os moradores que conseguiram dormir naquela noite, para a chamada "reintegração de posse". Gentilmente, os homens da lei aguardaram até 8h15, para que os café das crianças do prédio estivesse garantido naquela manhã.
Duzentos homens que, naquela mesma hora poderiam estar impedindo um assalto à conveniência do posto de gasolina em outra esquina ou o estupro de uma jovem do outro lado da cidade ou o recebimento de drogas por um traficante perto dali em vez de atender à solicitação de uma poderosa empresa privada. Os moradores saíram do prédio sem resistir e ocuparam calçadas no centro da cidade, abrigando-se sob lonas e, ali mesmo, criando suas crianças. Crianças que vão crescer pedintes, que vão se cansar da falta de oportunidades, que vão conhecer o lucrativo negócio do tráfico e, por consequência, terão vida curta e infeliz.
No Rio de Janeiro, a polícia agiu na heróica retomada de terreno (que poderia já ter acontecido há anos se o Estado realmente tivesse interesse), exaustivamente noticiada nos últimos dias. E eis que surge a "surpreendente" informação: alguns policiais aproveitaram o furdunço para saquear casas, destruir móveis e espancar moradores. Bem trabalho de policial mesmo. 30 toneladas de maconha, 200kg de cocaína, centenas de armas apreendidas e nem 1 real? Vai ser um excelente natal o desse ano, não?
Revolta. É o que me dá. E, faltando palavras, acabo fazendo uso das de uma morada do prédio em São Paulo, que deixou seu último endereço ao som de Vida de Gado: "Sou pequena diante do poder público".
Povo marcado. Povo feliz?

sábado, 30 de outubro de 2010

1.000 km

Entre nós, 1.000 km. Entre estradas de chão e pistas mal pavimentadas. Entre cartões-postais e vistas para esquecer. Entre chuva, neblina e mormaço, gados e lagartos, rios e árvores, dormir e chacoalhar, estamos nos extremos. Eu, da cidade. Você, do interior. Eu, carioca, cara de sulista, de surfista, musicista e afins. Você, índio no rosto e no cabelo, olhos vivos e aparelho na beira do rio em Tocantins. Entre nós, cumplicidade, curiosidade, conversa fiada, limão e sal. Um reconhecimento inocente, o contato displicente, a entrega natural. Não existe preconceito, falta de respeito e isso é o melhor. Por um momento, entre nós, só uma fina camada de suor. E ele vai acelerando a moto. Olhou para trás? E ele sai atravessando as fronteiras, formigando mais e mais. Entre nós, 1.000 km e a vontade que estreita distâncias, rompe as barreiras do espaço. Entre nós, ânsias, tremedeira e cansaço.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Eu disse que sou problema

Este era para ser um blog sobre relações humanas. Mas, nas últimas semanas, tenho me isolado dos outros. Não respondo mensagens, não atendo o telefone, não devolvo recados. Fico sozinho, sem relações. Por isso, não há o que escrever. Este era para ser um blog sobre amor. Mas, além da minha família e amigos, não tenho dado ou recebido amor. Estou para completar 4 anos de uma estranha solteirice. Sem amor. Por isso, não há o que escrever. Este era para ser um blog sobre mim. Mas eu não sou interessante. E não sou fácil de ler. Este era para ser um blog. Mas, se não há o que escrever...

sábado, 21 de agosto de 2010

Só um pouquinho de proteção

Confesso que bateu uma vontade enorme de namorar. De preencher as noites frias com um abraço aconchegante e um suspiro quente ao pé do ouvido. De me sentir acompanhado e companheiro. De ter alguém que me dê momentos de uma sutileza que há muito desconheço. Que me tolhas as liberdades, reclames do meu jeito de dirigir e sintas ciúmes. Que não gostes quando eu saio com meus amigos e se irrites com minhas ansiedades. Que discutas comigo filmes e livros. Que discutamos e façamos as pazes. Que disputes comigo todas as atenções. Quero o bom e o mal do namoro. Deitar acompanhado e dormir sorrindo. Quero o mau hálito de manhã e o domingo preguiçoso debaixo do edredon. Quero não poder tomar todas as decisões. Eu, sozinho, sou um perigo para mim mesmo. Que não demores, não se atrases e que o bem que trazes perdure para, enfim, eu me lembrar.

terça-feira, 29 de junho de 2010

Tio Chico

Eu não costumo escrever muitas vezes em um curto espaço de tempo. Muito menos sobre o mesmo assunto. Pensei em apenas complementar o texto anterior com algum comentário pertinente sobre meu tio Chico. Daí, me dei conta que uma pessoa tão extraordinária merecia uma postagem exclusiva, além da minha mais sincera oração. E que, além do mais, apesar dos fatos, posso falar de vida e não de morte. Sim. Tio Chico se foi hoje. E, com ele, metade da graça de passear em Recife. Eu morei naquela cidade por onze meses há sete anos atrás. Morei na casa de tio Chico e das filhas dele. A Marinha, motivo real da minha mudança, manteve-me durante três semanas em regime de internato, dentro da escola de aprendizes. Na metade desse percurso, tia Maria, esposa de tio Chico, faleceu de um pós cirúrgico mal sucedido. Eu não pude abraçá-lo e nem às minhas primas nessa ocasião, pois eu só sairia do aquartelamento dali a uns dez dias. Mesmo com todo esse impedimento, cuja solução me fugia às mãos, senti como se faltasse com eles nesse consolo. Todos os fins de semana que passei na casa de tio Chico foram feitos ora de riso, ora de lágrimas. Rosaura me emocionava quando me falava de tia Maria e quando lembrava de como eu era uma criança birrenta e passava as férias por lá. Tio Chico me fazia sorrir alegremente a cada piada que me contava e às vezes eu nem as entendia porque ele já estava ficando vermelho de rir antes mesmo de chegar o desfecho. Ele me recebia quando eu me anunciava no portão, falava baixinho quando achava que eu estava dormindo, preparava suco de laranja e pão assado pra mim pela manhã. Tio Chico cozinhava o melhor cuscuz de milharina com inhame e o melhor chambaril que eu já comi na vida. Parecia que eu tinha chegado para ele num momento em que a casa realmente precisava da presença de alguém diferente. Não que eu pudesse preencher vazios, mas talvez distraísse os pensamentos. Hoje, eu me lembro daquela época e me sinto muito próximo de tio Chico. Homem, com esposa e duas filhas, único homem dentro de casa. O homem da casa. Provedor que trabalhou uma vida inteira para que suas filhas tivessem... o possível. De repente, eu chego. Outro homem. E tio Chico experimentando dividir a casa comigo. Me tratou como se eu fosse um filho. Me amou como se eu fosse um filho. Me amou do jeito que eu sou. Amou tudo o que havia em mim! Hoje, eu chorei, tio Chico. Nem consegui consolar suas filhas, assim como não pude lhe dar aquele abraço. Chorei no telefone com Rosaura e alguns minutos depois. Chorei de saudade e remorso porque lhe dediquei tão pouco tempo, porque nunca lhe pedi um conselho, porque minha timidez, às vezes, me impedia uma aproximação maior. Mas vou tentar ser forte e não voltar a chorar. O sentimento que guardo do senhor não passa nem perto da tristeza, mas sim de muito orgulho, respeito e admiração. E alívio por saber que em nenhum momento o senhor reclamou de dor. Agora que o senhor, finalmente, está na companhia de tia Maria, pode dizer a ela que eu lhe amei como um filho?

domingo, 27 de junho de 2010

Silêncio servindo de amém

Ele chegou cansado no Pronto Socorro. Setenta e sete anos e sabe-se lá quantos idas e vidas ao hospital. Estava recém-operado e sua colostomia sangrava. Tinha dificuldade para respirar e logo começaria a vomitar bile, sujando de líquido amarelo a camisa xadrez. A enfermagem colocou oxigênio com cateter nasal. O coração parou de bater. Chama o médico da UTI. Corta a camisa. Punciona acesso venoso. Corre o soro todo aberto. Um mililitro de adrenalina. Pressão subindo. Alguém conta o tempo. Massagem cardíaca. Dez minutos. Ventila com ambú. Aspira secreção. Luva cirúrgica. Punciona acesso central. Nessa hora não existe técnica. Quinze minutos. Mais adrenalina. Aspira. Troca o soro. Revesa massagem. Aperta o ambú. Atualiza o monitor. Vinte e cinco minutos. Prepara o choque. Gel. Liga e afasta. De novo. De novo. Quarenta minutos... Cheiro forte e os olhos sem vida. E os rostos sem expressão. O médico chama a família para dentro do consultório enquanto a enfermagem prepara o corpo. O paciente vai dentro do saco, da madeira, do camburão. A família chora e a enfermagem sai pra fumar um cigarro.