terça-feira, 29 de junho de 2010

Tio Chico

Eu não costumo escrever muitas vezes em um curto espaço de tempo. Muito menos sobre o mesmo assunto. Pensei em apenas complementar o texto anterior com algum comentário pertinente sobre meu tio Chico. Daí, me dei conta que uma pessoa tão extraordinária merecia uma postagem exclusiva, além da minha mais sincera oração. E que, além do mais, apesar dos fatos, posso falar de vida e não de morte. Sim. Tio Chico se foi hoje. E, com ele, metade da graça de passear em Recife. Eu morei naquela cidade por onze meses há sete anos atrás. Morei na casa de tio Chico e das filhas dele. A Marinha, motivo real da minha mudança, manteve-me durante três semanas em regime de internato, dentro da escola de aprendizes. Na metade desse percurso, tia Maria, esposa de tio Chico, faleceu de um pós cirúrgico mal sucedido. Eu não pude abraçá-lo e nem às minhas primas nessa ocasião, pois eu só sairia do aquartelamento dali a uns dez dias. Mesmo com todo esse impedimento, cuja solução me fugia às mãos, senti como se faltasse com eles nesse consolo. Todos os fins de semana que passei na casa de tio Chico foram feitos ora de riso, ora de lágrimas. Rosaura me emocionava quando me falava de tia Maria e quando lembrava de como eu era uma criança birrenta e passava as férias por lá. Tio Chico me fazia sorrir alegremente a cada piada que me contava e às vezes eu nem as entendia porque ele já estava ficando vermelho de rir antes mesmo de chegar o desfecho. Ele me recebia quando eu me anunciava no portão, falava baixinho quando achava que eu estava dormindo, preparava suco de laranja e pão assado pra mim pela manhã. Tio Chico cozinhava o melhor cuscuz de milharina com inhame e o melhor chambaril que eu já comi na vida. Parecia que eu tinha chegado para ele num momento em que a casa realmente precisava da presença de alguém diferente. Não que eu pudesse preencher vazios, mas talvez distraísse os pensamentos. Hoje, eu me lembro daquela época e me sinto muito próximo de tio Chico. Homem, com esposa e duas filhas, único homem dentro de casa. O homem da casa. Provedor que trabalhou uma vida inteira para que suas filhas tivessem... o possível. De repente, eu chego. Outro homem. E tio Chico experimentando dividir a casa comigo. Me tratou como se eu fosse um filho. Me amou como se eu fosse um filho. Me amou do jeito que eu sou. Amou tudo o que havia em mim! Hoje, eu chorei, tio Chico. Nem consegui consolar suas filhas, assim como não pude lhe dar aquele abraço. Chorei no telefone com Rosaura e alguns minutos depois. Chorei de saudade e remorso porque lhe dediquei tão pouco tempo, porque nunca lhe pedi um conselho, porque minha timidez, às vezes, me impedia uma aproximação maior. Mas vou tentar ser forte e não voltar a chorar. O sentimento que guardo do senhor não passa nem perto da tristeza, mas sim de muito orgulho, respeito e admiração. E alívio por saber que em nenhum momento o senhor reclamou de dor. Agora que o senhor, finalmente, está na companhia de tia Maria, pode dizer a ela que eu lhe amei como um filho?

Um comentário:

Não importa disse...

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minhas lágrimas...