terça-feira, 29 de junho de 2010
Tio Chico
domingo, 27 de junho de 2010
Silêncio servindo de amém
Ele chegou cansado no Pronto Socorro. Setenta e sete anos e sabe-se lá quantos idas e vidas ao hospital. Estava recém-operado e sua colostomia sangrava. Tinha dificuldade para respirar e logo começaria a vomitar bile, sujando de líquido amarelo a camisa xadrez. A enfermagem colocou oxigênio com cateter nasal. O coração parou de bater. Chama o médico da UTI. Corta a camisa. Punciona acesso venoso. Corre o soro todo aberto. Um mililitro de adrenalina. Pressão subindo. Alguém conta o tempo. Massagem cardíaca. Dez minutos. Ventila com ambú. Aspira secreção. Luva cirúrgica. Punciona acesso central. Nessa hora não existe técnica. Quinze minutos. Mais adrenalina. Aspira. Troca o soro. Revesa massagem. Aperta o ambú. Atualiza o monitor. Vinte e cinco minutos. Prepara o choque. Gel. Liga e afasta. De novo. De novo. Quarenta minutos... Cheiro forte e os olhos sem vida. E os rostos sem expressão. O médico chama a família para dentro do consultório enquanto a enfermagem prepara o corpo. O paciente vai dentro do saco, da madeira, do camburão. A família chora e a enfermagem sai pra fumar um cigarro.
quinta-feira, 17 de junho de 2010
Os sinos da discórdia
Meus pais cresceram no interio de Pernambuco, no campo, no meio do mato. Correram descalços na areia, furaram os dedos nos espinhos das plantas, banharam-se pelados nos açudes da região. Eles lembram da infância sempre que sentem cheiro de café recém moído ou de chuva caindo na terra.
Eu cresci na cidade, no subúrbio do Rio. Não tinha rio perto, mas tinha futebol com bola de meia, tinham meus carrinhos de plástico, meus livros, minha solidão. E eu sempre vou me lembrar da minha infância enquanto houverem pipas no céu, biscoitos de polvilho e Sessão da Tarde.
Hoje, no jornal local de Brasília, eu vi uma reportagem sobre uma paróquia no Lago Sul que está incomodando um único vizinho da região.
Ora, já vi brasilienses reclamarem do atendimento de garçons, do trabalho de caixas de supermercado e de uma infinidade de insignificantes coisas numa tendência regional extremamente intimidadora que a maioria das pessoas daqui (antipáticas e pseudo politizadas que pretendem ser) tem de falar mal de tudo.
Essas mesmas pessoas mantém-se trancadas dentro das suas casas, que ficam dentro de condomínios e saem de manhã dentro de seus carros e passam o dia inteiro dentro de escritórios e isso quando não ficam somente dentro de si mesmas e esquecem que existem todos os outros.
Brasília tem as ruas mais largas que eu já vi. É o lugar mais plano que eu conheço. Em alguns pontos da cidade, quase é possível ver horizonte em todas as direções e o céu é tão azul e tão imenso que toda essa amplidão, paradoxalmente, oprime a gente.
E, em muito, isso se deve às atitudes de alguns moradores, como o vizinho da paróquia do Lago Sul, que começou com intermináveis reclamações diárias, até que a polícia foi verificar o badalar dos sinos da igreja. Os sinos da igreja!
Os sinos que estavam soando alguns decibéis acima do limite permitido pela lei do silêncio. Eles tocam a primeira vez às oito e meia da manhã e a última antes das sete da noite.
Agora, "como eu vou diminuir ou aumentar o som de um sino?". Quer saber o padre. E eu também. E ainda pergunto mais: em que outro lugar do mundo o sino de uma igreja pode incomodar alguém ao ponto de se chamar a polícia e gerar uma reportagem com isso? Como pode alguém querer se trancar dentro de casa, dentro de si e não se abrir nem mesmo para o soar de um badalo?
O que as crianças de hoje vão fazer da vida se não terão nem mesmo o som de um sino para se lembrarem de suas infâncias?
Assinar:
Postagens (Atom)